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20.8.07

CARTA DE BRASÍLIA - DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE


CARTA DE BRASÍLIA PELO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE COMO DIREITOS HUMANOS


Somos brasileiras e brasileiros de todo o País e nos reunimos em Brasília, de 16 a 18 de agosto de 2007, no Seminário Nacional: Memória da Luta pelos Direitos Humanos e Luta pelo Direito à Verdade e à Memória, promovido pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP/UnB), para conhecer melhor nossa história e para elaborar propostas e estratégias para construir a luta pelo Direito à Memória e à Verdade como Direitos Humanos.

Estamos certos de que na história do Brasil houve muito arbítrio, repressão e exploração que alimentou mortes, esquecimentos, ausências, silêncios, sofrimentos, dor e violações de direitos. Houver opções pela desigualdade, pelo autoritarismo, pela violência, pelo esquecimento, que até hoje marcam as profundas contradições presentes na sociedade. Sempre foram os/as mesmos/as, muito poucos/as, os/as que ganharam com tudo isso. Outros/as, aos milhões, somos os que historicamente fomos invisibilizados e vitimados.

Mas, também estamos certos de que o povo organizou a resistência, manteve viva a indignação e não se calou. Por isso, estamos convictos de que a luta pelos direitos humanos no Brasil está presente em toda a história e em cada uma das ações e das organizações que mulheres, negros/as, jovens, idosos, pessoas com deficiência, povos da floresta, trabalhadores/as urbanos/as e rurais, crianças e adolescentes, enfim, todos/as que nos reconhecemos como “pobres da terra”, realizamos pela libertação. Acreditamos que é exatamente nestas lutas que os direitos humanos fincam suas raízes. É esta consciência histórica e estas convicções que nos mobilizam e nos encorajam para ousar sempre, exigir sempre, querer sempre, mais, todos, os direitos humanos para todas as pessoas.

Todas as formas de violação dos direitos humanos precisam ser condenadas. Não é possível pactuar, e não pactuamos, com qualquer tipo de impunidade. Não agir desta forma é deixar brechas para que as velhas práticas de violação permaneçam, como muitas delas permanecem, marcando o presente e o futuro. A memória das violações e dos sujeitos violados é condição essencial para combater todo tipo de prática que continua alimentando e também patrocinando a criminalização de lideranças e movimentos que lutam por direitos.

Não somos expectadores passivos da história que nos contam ou na qual querem nos fazer acreditar. Somos sujeitos que fazem a história como luta pelo reconhecimento. A memória e a verdade são bens públicos com os quais construímos identidades pessoais, sociais e culturais. Por isso, constituem-se em direitos humanos.

Com base no que dissemos:

a) renovamos nosso compromisso com a luta e convocamos todos/as os/as brasileiros/as que se engajem para construirmos, juntos, um forte movimento pelos direitos humanos;
b) exigimos que o Estado assuma, de vez, o compromisso constitucional e moral com a garantia e o respeito a todos os direitos humanos; promova os direitos através de medidas concretas; proteja pessoas e grupos sociais que vivem em situação de maior vulnerabilidade; repare as vítimas de todo tipo de violação e puna os/as que as realizam; enfim, oriente sua atuação, em primeiro lugar, pela realização de todos os direitos humanos;
c) pautamos o desafio e nosso compromisso com a necessidade de ampliar a compreensão de direitos humanos, incluindo neles o direito à memória e o direito à verdade, que também são direitos humanos.

Para levarmos adiante este processo, saímos deste Seminário para construir juntos uma grande e forte Campanha pela Memória e a Verdade como Direitos Humanos. Como parte desta Campanha, levantaremos nossas vozes para:

1. propor a revogação de toda a legislação inconstitucional que impede o acesso à informação em nome do princípio republicano e constitucional da transparência do Estado e do interesse superior da cidadania, solicitando ao Ministério Público Federal e/ou a qualquer outro legitimado para tal, que proponha Ação Direta de Inconstitucionalidade especialmente das leis no 8.159/1991 e no 11.111/2005;
2. propor a formulação de uma nova legislação infraconstitucional que estabeleça critérios transparentes e públicos de classificação de documentos de interesse da cidadania e que estão sob a guarda do Estado; que encurte prazos para sua revelação e que estabeleça responsabilidades dos administradores, gestores e detentores de cargos públicos e punições para os que se recusarem a apresentá-las;
3. exigir a abertura ampla, geral e irrestrita de todos os arquivos, especialmente dos arquivos que ainda escondem boa parte da história do recente período ditatorial em nosso País; a realização de um inventário de todos os arquivos públicos e privados existentes ou que existiram no País; e o tratamento técnico e disponibilização, facilitando, dessa forma, entre outras, a agilização dos processos de localização de mortos e desaparecidos, a produção de pesquisas e estudos e a publicização, através de diversos meios, dos conteúdos neles constantes;
4. instituir uma Comissão da Verdade sobre o período da ditadura militar, de tal forma que a sociedade possa produzir uma posição pública (não de Estado) sobre o período;
5. exigir que as autoridades façam a apuração dos fatos e punição dos responsáveis pelas chacinas e mortes em casos recentes e que ainda não foram completamente esclarecidos como Corumbiara, Eldorado dos Carajás, Baixada Fluminense, Carandiru, Crimes de Maio em São Paulo, crimes contra população pobre no Rio de Janeiro, as mortes e massacres contra indígenas e tantos outros;
6. fortalecer as instituições públicas encarregadas da apuração e declaração sobre mortos e desaparecidos, dando-lhes melhores condições de trabalho, retirando todo tipo de empecilho burocrático e garantindo-lhe plena autonomia e acesso às informações necessárias ao desenvolvimento de seu trabalho;
7. dotar o País de órgãos institucionais permanentes de formulação e monitoramento de políticas para a promoção e proteção dos direitos humanos e para a apuração e reparação de todas as formas de sua violação, especialmente através da aprovação da legislação que cria o Conselho Nacional de Direitos Humanos;
8. sugerir a implementação de políticas de incentivo e fomento à pesquisa e publicação de seus resultados e à produção de material didático, áudio-visual, eletrônico e de todo tipo para a ampla difusão de conhecimentos sobre a história recente do País, especialmente do período da ditadura;

Temos certeza de que somente nosso compromisso fará ecoar nossas vozes, afastando o silêncio que insistem em nos impor. O engajamento de todos/as é que fará com que a memória dos que tombaram, e continuam tombando na luta pelos direitos humanos, não seja em vão.

Brasília, 18 de agosto de 2007.

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