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31.7.07

Necrocombustíveis

Escrito por Frei Betto
20-Jul-2007

O prefixo grego bio significa vida; necro, morte. O combustível extraído de plantas traz vida? No meu tempo de escola primária, a história do Brasil se dividia em ciclos: pau-brasil, ouro, cana, café etc. A classificação não é de todo insensata. Agora estamos em pleno ciclo dos agrocombustíveis, incorretamente chamados de biocombustíveis.
Este novo ciclo provoca o aumento dos preços dos alimentos, já denunciado por Fidel Castro. Estudo da OCDE e da FAO, divulgado a 4 de julho, indica que “os biocombustíveis terão forte impacto na agricultura entre 2007 e 2016.” Os preços agrícolas ficarão acima da média dos últimos dez anos. Os grãos deverão custar de 20 a 50% mais. No Brasil, a população pagou três vezes mais pelos alimentos no primeiro semestre deste ano, se comparado ao mesmo período de 2006.
Vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. Há 800 milhões de veículos automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem intocáveis.
Os preços dos alimentos já sobem em ritmo acelerado na Europa, na China, na Índia e nos EUA. A agflação – a inflação dos produtos agrícolas – deve chegar, este ano, a 4% nos EUA, comparada ao aumento de 2,5% em 2006. Lá, como o milho está quase todo destinado à produção de etanol, o preço do frango subiu 30% nos últimos doze meses. E o leite deve subir 14% este ano. Na Europa, a manteiga já está 40% mais cara. No México, houve mobilização popular contra o aumento de 60% no preço das tortillas, feitas de milho.
O etanol made in USA, produzido a partir do milho, fez dobrar o preço deste grão em um ano. Não que os ianques gostem tanto de milho (exceto pipoca). Porém, o milho é componente essencial na ração de suínos, bovinos e aves, o que eleva o custo de criação desses animais, encarecendo derivados como carne, leite, manteiga e ovos.
Como hoje quem manda é o mercado, acontece nos EUA o que se reproduz no Brasil com a cana: os produtores de soja, algodão e outros bens agrícolas abandonam seus cultivos tradicionais pelo novo “ouro” agrícola: o milho lá, a cana aqui. Isso repercute nos preços da soja, do algodão e de toda a cadeia alimentar, considerando que os EUA são responsáveis por metade da exportação mundial de grãos.
Nos EUA, já há lobbies de produtores de bovinos, suínos, caprinos e aves pressionando o Congresso para que se reduza o subsídio aos produtores de etanol. Preferem que se importe etanol do Brasil, à base de cana, de modo a se evitar ainda mais a alta do preço da ração.
A desnutrição ameaça, hoje, 52,4 milhões de latino-americanos e caribenhos, 10% da população do Continente. Com a expansão das áreas de cultivo voltadas à produção de etanol, corre-se o risco dele se transformar, de fato, em necrocombustível – predador de vidas humanas.
No Brasil, o governo já puniu, este ano, fazendas cujos canaviais dependiam de trabalho escravo. E tudo indica que a expansão dessa lavoura no Sudeste empurrará a produção de soja Amazônia adentro, provocando o desmatamento de uma região que já perdeu, em área florestal, o equivalente ao território de 14 estados de Alagoas.
A produção de cana no Brasil é historicamente conhecida pela superexploração do trabalho, destruição do meio ambiente e apropriação indevida de recursos públicos. As usinas se caracterizam pela concentração de terras para o monocultivo voltado à exportação. Utilizam em geral mão-de-obra migrante, os bóias-frias, sem direitos trabalhistas regulamentados. Os trabalhadores são (mal) remunerados pela quantidade de cana cortada, e não pelo número de horas trabalhadas. E ainda assim não têm controle sobre a pesagem do que produzem.
Alguns chegam a cortar, obrigados, 15 toneladas por dia. Tamanho esforço causa sérios problemas de saúde, como câimbras e tendinites, afetando a coluna e os pés. A maioria das contratações se dá por intermediários (trabalho terceirizado) ou “gatos”, arregimentadores de trabalho escravo ou semi-escravo. Após 1850, um escravo costumava trabalhar no corte de cana por 15 a 20 anos. Hoje, o trabalho excessivo reduziu este tempo médio para 12 anos.
O entusiasmo de Bush e Lula pelo etanol faz com que usineiros alagoanos e paulistas disputem, palmo a palmo, cada pedaço de terra do Triângulo Mineiro. Segundo o repórter Amaury Ribeiro Jr, em menos de quatro anos, 300 mil hectares de cana foram plantados em antigas áreas de pastagens e de agricultura. A instalação de uma dezena de usinas novas, próximas a Uberaba, gerou a criação de 10 mil empregos e fez a produção de álcool em Minas saltar de 630 milhões de litros em 2003 para 1,7 bilhão este ano.
A migração de mão-de-obra desqualificada rumo aos canaviais – 20 mil bóias-frias por ano - produz, além do aumento de favelas, o de assassinatos, tráfico de drogas, comércio de crianças e de adolescentes destinados à prostituição.
O governo brasileiro precisa livrar-se da sua síndrome de Colosso (a famosa tela de Goya). Antes de transformar o país num imenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizar fontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os “heróicos” usineiros.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

Carta dos índios Tupinikim e Guarani

Carta Aberta à População e às Autoridades Brasileiras

Iniciamos hoje (24/07/2007) um conjunto de ações pacíficas como o objetivo de retomar a posse dos 11.009 hectares que nos pertence e que já foram exaustivamente identificados pela FUNAI como sendo terras tradicionalmente ocupadas por nós, Tupinikim e Guarani.
Inicialmente pretendemos paralisar o corte de eucalipto e retirar os não-índios que se encontram ilegalmente dentro de nossas terras. Em seguida organizaremos mutirões para reconstruir algumas de nossas aldeias (Olho d´Água, Macacos e Areal) destruídas pela Aracruz Celulose quando invadiu nossas terras. Ergueremos casas e faremos plantios de alimentos e de mudas nativas para reflorestar nossas terras.
Com a paralisação do corte e retirada dos não-índios queremos resguardar os plantios de eucalipto para serem utilizados como pagamentos das indenizações devidas à Aracruz Celulose pelas benfeitorias existentes nos 11.009 ha. A paralisação do corte será estendida também a nós, indígenas, como mais uma demonstração da nossa vontade de colaborar para uma solução rápida e pacífica do problema.
No entanto, queremos reafirmar que nossas ações são motivadas pela demora do governo federal em solucionar uma disputa que já dura quase 40 anos. Sempre cumprimos com os compromissos assumidos com o governo, mas nem sempre o governo cumpriu com os seus. Vale lembrar que o ex-Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos, em audiência pública na Assembléia Legislativa do Espírito Santo, em fevereiro de 2006, prometeu regularizar nossas terras até o final de 2006. Porém, em janeiro de 2007, pouco antes de se afastar do ministério, devolveu de forma irregular os processos para a FUNAI, apesar de ter em mãos todos os elementos necessários para assinar as portarias de delimitação de nossas terras. Recentemente, ou seja, 07 meses depois, o processo retornou ao Ministério da Justiça. Quanto tempo mais será necessário para a assinatura das Portarias e demais providências?
Por fim, queremos deixar claro que a nossa luta é pela retomada de nossas terras e não abriremos mão deste direito. A persistir o descaso e a demora do governo federal intensificaremos nossas ações para consolidar a posse sobre as terras dos nossos antepassados e de nossos filhos e netos, incluindo aí a retomada do corte de eucalipto pelas comunidades indígenas.

24 de julho de 2007

Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim e Guarani

Carta do Quilombo de Linharinho

Bem Vindos ao Quilombo Linharinho.

Reunindo centenas de famílias quilombolas de todo o Sapê do Norte, de Conceição da Barra e São Mateus, e movimentos sociais e colegas de diferentes entidades e redes de todo o Espírito Santo, o Quilombo de Linharinho é uma proposta e uma experiência de retomada do território quilombola de Linharinho.
Um ano atrás, em 29 de Julho de 2006, realizamos uma grande mobilização de negros e negras, quando da retomada simbólica do cemitério quilombola de nossos antepassados, coberto pelos eucaliptais da Aracruz Celulose. Naquela época, a empresa conseguiu na justiça uma reintegração de posse, e o governador Paulo Hartung disponibilizou seus policiais de choque, fazendo prevalecer os interesses do lucro e da monocultura de eucalipto, sobre toda jurisdição já constituída a respeito dos direitos quilombolas, principalmente a Convenção 169 da OIT, os artigos 215, 216 e 68 da Constituição Brasileira de 1988, além do decreto 4887 de 2003. O chamado Estado democrático dos direitos, repetindo a história da colônia, do império e das velhas oligarquias, nos forçou a retirada. Mas nunca desistimos da luta por nossas terras, por nossa cultura, por nossas matas, por nossos antepassados, por nossos descendentes que chegam.
Em todo o Sapê do Norte, no final dos anos 60, eram ainda 12 mil famílias de afrodescendentes habitando em comunidades quilombolas, cerca de 60 mil negros e negras. Com a chegada da Aracruz Celulose, restaram apenas 1.200 famílias.
Depois de destruir nossas florestas de mata atlântica, de secar e poluir nossos rios e córregos, depois de envenenar nossas caças e de expulsar nossas famílias para as favelas e periferias dos centros urbanos, a Aracruz Celulose ainda nos criminaliza pela retirada do facho e do resíduo de eucalipto para produção de carvão, última alternativa de renda para mais de 1 mil quilombolas, em São Domingos, Roda d'Água, São Jorge, e Angelins, etc. As plantações de rápido crescimento da Aracruz Celulose têm afetado diretamente nossa segurança alimentar e acesso à água, e não nos permite trabalho.
Agora o momento é outro. Por todo o Sapê do Norte se espalhou a notícia da portaria ministerial de Linharinho, publicada no Diário Oficial da União no dia 14 de Maio de 2007, assinada pelo presidente do INCRA, Sr. Rolf Hackbart, a portaria reconhece 9.542,57 hectares do território ancestral quilombola de Linharinho. 82% de toda essa área foi invadida pelos eucaliptos da Aracruz Celulose, de forma que as 48 famílias que resistiram em Linharinho ficaram reduzidas a apenas 147 hectares de terra. Outras portarias estão a caminho, em São Domingos, São Jorge, Serraria, São Cristóvão, o que tem provocado reações violentas e racistas por parte da Aracruz Celulose e de fazendeiros e grandes proprietários. Chamamos nossos amigos urbanos, camponeses e sem terras para esse enfrentamento contra o latifúndio, e asseguramos que a retomada das terras quilombolas não expulsará nossos irmãos e irmãs campesinas de suas pequenas propriedades familiares.
O Quilombo de Linharinho pretende apontar um caminho de retomada das terras pelas famílias quilombolas de Linharinho. Com mutirões de plantio de mudas de mata atlântica, de árvores frutíferas, produção agrícola, construção de casas e instalações que se possibilitem a habitação de famílias, com capoeira, jongo, ticumbi, hip hop, congo, quadrilha, forró, teatro, cinema, beiju, cuscuz, tapioca. Vamos retomar nossas terras. Acampe conosco nesta idéia. Seja bem vindo!

23 de Julho de 2007.

Comunidade de Linharinho, Comissão Quilombola do Sapê do Norte, CONAQ, MST, MPA, ACA, Via Campesina, MNDH, Rede Deserto Verde, DCE-UFES, Nação Hip Hop, Anarkopunks, Igrejas, Comissão Pastoral da Terra, FASE-ES, Brigada Indígena.

27.7.07

VII Colóquio Internacional de Direitos Humanos

Realizar-se-á entre 3 a 10 de novembro deste ano, em São Paulo, o VII Colóquio Internacional de Direitos Humanos e as inscrições encerram-se no próximo dia 05 de agosto. Os interessados devem navegar neste site e preencher a ficha de inscrição: http://www.conectas.org/coloquio/. Participe.

21.7.07

3º Café da Manhã de Direitos Humanos - FREDH


Realizou-se neste sábado, dia 21 de julho de 2007, na Associação Indigenista de Maringá (ASSINDI), o 3º Café da Manhã das entidades de Direitos Humanos do Fórum Regional de Entidades de Direitos Humanos de Maringá e Região. Participaram entidades de Maringá, Sarandi, Cambé e Londrina e o encontro foi assessorado pelo advogado Alberto Abraão Vagner da Rocha, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB - Subseção de Maringá, tratando do tema "Direitos Humanos na prática". Para o advogado, todo cidadão deve aprender a recorrer aos seus direitos constitucionais e o Ministério Público (MP) é o caminho. “Recorrer ao MP é um direito e dever do cidadão por meio de uma simples elaboração de petição (requerimento), descrevendo o fato ocorrido com pistas para que o promotor inicie a investigação...".
O encontro (Café da Manhã) foi coordenado por Elias Canuto Brandão, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Confira o RELATÓRIO e as FOTOS do encontro (Café da Manhã), no blog do Fórum (FREDH): http://fredh2007.blogspot.com

16.7.07

FREDH - 3ª Café da Manhã de 2007 de Direitos Humanos

O 3º Café da Manhã do Fórum Regional de Entidades de Direitos Humanos (FREDH) de Maringá e Região, realizar-se-á na Associação Maringaenses dos Índios (ASSINDI), saída para Paranavaí, logo após a Coca-cola e teremos a assessoria do advogado ex-coodenador do MNDH no Sul do Brasil e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Região de Maringá, Alberto Abraão Vagner da Rocha.
  • DIA: 21 de julho de 2007 - sábado;
  • HORAS: 08h30 min., às 10h30min.;
  • LOCAL: Associação Maringaense dos Índios (ASSINDI) - saída para Paranavaí, após a Coca-Cola - estrada pelo meio da reserva florestal;
  • CIDADE: Maringá/PR;
  • TEMA: "Como trabalhar os Direitos Humanos na prática".

ASSESSORIA: Alberto Vagner Abraão da Rocha (advogado)

7.7.07

INIMIGOS NÃO MANDAM FLORES

Nota Pública

No período da ditadura militar, a pretexto do combate ao comunismo, o estado brasileiro prendeu, torturou, matou e exilou aqueles que porventura fossem contra o regime da época. Todos estes eram vistos como inimigos, sob a desculpa de que essas pessoas eram “comunistas”, e que isso representaria um perigo para a sociedade.
Nas últimas três décadas, parece que governos e segmentos significativos da sociedade escolheram a favela e os favelados como seus novos inimigos. Negros, pobres e favelados e muitas vezes aqueles que partem na defesa destes grupos sofrem com essa discriminação, numa clara demonstração de estigmatização e criminalização da pobreza e dos movimentos sociais.
É o que joga na nossa cara o atual espetáculo do real chamado “mega operação no Complexo do Alemão”. É sobre como lidamos com as diferenças e sobre como lidamos com os direitos fundamentais o que estamos tratando.
Trata-se de denunciar uma falsa divisão normalmente feita entre favela x asfalto. Favela é cidade, corresponde a uma parte importante da vida política, econômica, social e cultural. Ao insistirmos na divisão, ao aumentarmos a distância, nos tornamos mais fracos. Ao atacar a cidadania do morador de favela, a própria idéia de cidadania, de direitos básicos fundamentais, fica enfraquecida.
É o que pode ser visto diariamente, seja em muitas das políticas do estado, seja mesmo em discursos de certos segmentos da sociedade. Mais assustadora é a dimensão que tomou essa prática na já citada operação policial no Complexo do Alemão. Parece haver um triângulo de erros nesta e em outras formas de abordagem da questão da violência: em uma ponta, o apoio de certos setores da sociedade que bate palmas para ataques bélicos aos mesmos grupos armados da qual fazem uso. O outro pé do triângulo é a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais – tal e qual, de certa maneira, ocorreu nos “anos de chumbo” acima citados. E na ponta superior, o grande efeito dessa sucessão de erros, as políticas equivocadas de segurança pública, que excedem tanto no uso da força empregada, quanto no próprio método. Uma das pontas alimenta a outra em ritmo contínuo.
O que o Movimento Nacional de Direitos Humanos vem denunciar aqui é a política por trás da técnica. A forma atual de policiamento, tornada concreta e visível pelo que se está fazendo no Complexo do Alemão, se alimenta de uma política que privilegia o confronto. Os efeitos são sentidos por todos nós, mas principalmente pelo “alvo privilegiado” dessas operações, aquelas pessoas que carregam o estigma que diz, como se fosse possível reduzir a questão, que o crime tem cor, endereço e classe social. A vítima da vez foram os cidadãos moradores do Complexo do Alemão: o saldo do espetáculo é de 76 feridos e 48 mortos, segundo dados oficiais, em mais de 60 dias de ações policiais. Há quem fale em mais de 80 mortes, muitas das quais através de execução sumária. No Brasil, a pena de morte não é aceita. Aparentemente, estamos em frente à morte sem pena, sem nem ao menos um processo judicial com chances de defesa. Somada às torturas físicas e psicológicas, o quadro pintado com cores reais é o mais desesperador possível.
Denunciar essa criminalização e essas políticas equivocadas também significa propor algo em seu lugar. No lugar de políticas de segurança que privilegiem o confronto, a compreensão do espaço de favelas como espaço de direitos. Favela é cidade, e como tal, precisa e merece das mesmas políticas públicas que outras regiões. Trata-se de lutar por uma presença integrada do estado nas favelas, articulando programas sociais com uma polícia cidadã. Em combinação a isso, ações de inteligência, prevenção e repressão das verdadeiras grandes organizações criminosas. Afinal, os moradores dessas localidades, e não só os criminosos, não costumam receber flores.
Coordenação Estadual do Movimento Nacional de Direitos humanos (MNDH-Rio de Janeiro)
e
Coordenação Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-Nacional)